terça-feira, 19 de julho de 2011

Nossa Aventura está chegando ao fim agora com co conhecimento dos passos 08 e 09

09 - EM BUSCA DE CENTAURIUM


            “Passaram sete dias desde que Centaurium partira e cinco desde que fora capturado, Vitis e seus companheiros estavam agora no acampamento “das feras”, haviam muitos mortos, alguns a fio de espada e outros pisoteados. Deviam estar com pressa pois não enterraram seus mortos, mas levaram todas as armas, na certa para vendê-las, eram mercenários e sem escrúpulos. Ao menos não o mataram. Sabia que estavam talvez a dois dias de marcha da fronteira onde começavam os pântanos traiçoeiros, resolveu que seguiriam um pouco mais onde descansariam, pois a marcha fora forçada para todos, e não adiantaria chegarem esgotados, fatalmente seriam capturados.
            “Montaram acampamento, soltaram os cavalos e se deitaram, Vitis foi atraído pelo brilho de uma estrela, era mais forte do que as outras, aos poucos entrou em transe como que hipnotizado e saiu de seu corpo flutuando em direção a ela.
            - Bem-vindo! - disse uma voz em sua mente - Sou Ornitogalhum, sei o que está pretendendo e posso avisá-lo, não dará certo, serão dizimados ou presos também.
            - Quem é você? - tornou Vitis - Como está meu companheiro?
            - Ele está vivo, tem que passar por isso, faz parte de seu aprendizado, quando aprender a perdoar estará pronto para se perdoar e seguir em frente. A única forma de ajudá-lo é libertando o dragão, liberte o dragão, liberte o dragão... o dragão...o dragão...
            “Acordou com estas palavras em sua mente. “Teria sido um sonho? Uma estrela me dizendo para libertar um dragão, que estranho isso, mas olhando para cima viu a estrela pulsando como se dissesse: “Liberte o dragão”.
            - Acordem todos! - gritou no centro do acampamento - Tenho um plano.
            “Todos se levantaram de prontidão e o ouviram.
            - Vamos fazer uma coisa, nos engajar no exército do inimigo, assim podemos estar próximos, avaliar seus pontos fracos e descobrir onde está Centaurium.
            - Mas como vamos fazer para que não nos reconheçam, já viram o cavalo dele e nossas armas não são daqui, eles vão perceber. - disse um deles.
            - Faremos uma bandeira vermelha, esta é o sinal de quem quer lutar ao lado das trevas, e nossas armas são especiais, garanto que não serão reconhecidas pois não são deste mundo e se camuflam, qualquer coisa diremos que as tomamos em batalha. O cavalo não nos seguirá, ficará a espera - tornou Vitis.
            - Então, o que estamos esperando? - perguntaram.
            “Prepararam-se, hastearam a bandeira e deixaram Magia livre para esperar onde achasse melhor, os acompanhou por  algum tempo e os deixou prosseguirem sem ele.
            “Os sentinelas os viram aproximarem-se com a bandeira vermelha. - Bom - pensaram - Nossas forças aumentam a cada dia, a luz não poderá nos vencer desta vez.
            “Chegaram à aldeia e eram esperados por alguns homens, apenas alguns conseguiam se comunicar com os “homens-fera” e eram estes que tratavam com os recém chegados, de onde vinham, quem eram, os horários de treinamento para a batalha, alojamentos(barracas) e etc...
            “Foram levados a um espaço vago na direção do dragão, lhes arrumaram uma cobertura de couro para montarem uma barraca, o ar naquele local era pesado e garoava muito devido à proximidade do mal do castelo, e deixando-os em seguida. Vitis olhou em volta, eram desorganizados e não confiavam uns nos outros pois a área destinada aos novos recrutas estava dividida, uma fogueira em cada grupo, existiam pessoas de todas as partes, inclusive das cavernas, escamosos como eram chamados. O exército era numeroso pois o acampamento era grande, isso mais os que residiam na aldeia e os que já estavam invadindo o reino, muitos mais ainda chegariam. Seu olhar foi girando e quando viu o castelo imaginou estar lá seu companheiro. Mas havia uma montanha serrilhada além da paliçada para ser atravessada, estranho, ela parecia pulsar, como se respirasse, Vitis fixou seu olhar e então percebeu seu engano ao vê-lo levantar sua cabeça enorme e se virar para olhá-lo. Seu olhar era penetrante, chegava a dar calafrios, depois, baixou a cabeça novamente e Vitis se voltou aos companheiros que já trabalhavam, e foi ajudá-los. Os dias passaram e foram colhendo informações.

            “Eu já havia passado por várias sessões de tortura e fui jogado separado de meus amigos, desta vez na masmorra, desconfiaram de mim pois não soltara um só gemido mediante a dor, e minha postura não era de alguém comum, imaginaram ser o prometido. Eu estava sozinho, mas com muito do que Ilex e Larix haviam me passado, contudo meu ódio pelas trevas e seus algozes me cegava.
            “Ilex me dizia que não deveria deixar o ódio me dominar, que devia me guiar pelo amor compaixão e perdão, Salix juntou a isso a purificação sem ressentimentos. Os dois falavam muito sobre desenvolver em mim o amor contido atrás de meu ódio e desejo de vingança, o amor ao outro e ao mundo, esse amor estava bloqueado. Compreendo minha existência em parte, o meu destino é decidido por outros. Acreditava não ser merecedor de felicidade na vida, tudo parecia estar indo bem, de repente, do mesmo modo que eu crescia, o chão parecia se abrir sob meus pés e era tragado pelas perdas, negativismo e sofrimento, que droga de vida, até quando ia durar aquele sofrimento eu me perguntava. Como iria estar ao lado de Azuen e das crianças daquele jeito?
            “Aquele lugar horrível sem luz, sem o canto do pássaros, sem o aroma das flores e da natureza, a água fresca das nascentes, o vento fresco que soprava do leste, meus amigos, Azuen, Magia, enfim, tudo o que havia de bom, além de minha música é claro. A lua e as estrelas, a quanto tempo não via o céu azul? Já não sabia quanto. As gargalhadas de Vitis, a falação de Calluna, como era divertido, e as aventuras que vivi ao sair de minha pequena aldeia na montanha? Quantas pessoas não usei em minha caminhada, o maior prejudicado fui eu mesmo, fui eu quem mais sofreu com tudo isso, sem nunca parar em lugar nenhum, eu mesmo por causa das ervas que usava me excluía dos lugares por onde passava, partindo novamente. Aprendi a me adaptar a toda e qualquer situação ou lugar, a sobreviver fazendo todo tipo de trabalho, mas toda vez que conseguia me levantar algo acontecia, talvez causado pelo medo que sentia de me prender a alguma coisa e perder tudo. Então me sentia não merecedor de amor, de uma vida boa, amigos perpétuos e um lar assim me entregando novamente às ervas e vinho. Quando acordava de meu transe no meio das matas, o perfume das flores me inebriava, eu me sentia novo e dizia a mim mesmo que não tornaria a acontecer, na próxima aldeia tudo seria diferente e novo, me estabeleceria, encontraria uma boa mulher que me amasse e ensinasse a amar e formaria um lar. Foi quando cheguei àquela aldeia, tudo foi tão rápido, conhecera Calluna, tivera meu contato com Agrimonia e Eupatoria que vieram a se tornar uma só e ser a minha Primeira lição, Genciana, Prunus, Vitis, fora quase preso e depois requisitado pelo rei Fagus, daí em diante foi um atropelo de coisas se sucedendo, agora estou aqui por causa de um tesouro que nem sei o que é.
            “Em minhas divagações sem perceber enumerara todas as pessoas que havia prejudicado, como queria poder voltar atrás e refazer tudo, mas preso ali nada havia de ser feito, apenas esperar pelo melhor. Deveria existir uma saída, podia ouvir os gritos de dor dos outros prisioneiros, o cheiro acre de sangue, sabia que a vontade dos guardas era cortar a cabeça de todos, empalarem nas lanças e desfilarem aldeia afora, mas ainda não podiam fazer isso. Com o passar dos dias as palavras de Ilex e Salix começaram a fazer sentido para mim, apesar de nossos torturadores merecerem a morte, não podia culpa-los por serem como eram. Agiam por instintos animalescos dominados por Strath, era uma batalha sem fim entre o bem e o mal que já existia a milênios, e que não terminaria em nosso tempo, sempre existiriam pessoas boas e más, em maior ou menor grau. Era a forma que o pai usava para perceber os progressos e evolução do povo, nós tínhamos o livre arbítrio de escolher de que lado ficaríamos, quantos já não haviam passado para o lado do bem?
            “Orei por todos, até por Strath, foi quando a porta se abriu e jogaram Larix e Mimulus pela cela adentro fechando a pesada porta em seguida.
            - Miseráveis! - gritei eu acomodando os dois próximos da janela, o ar de fora também era pesado, mas melhor que o de dentro da cela.
            - Não os culpe - disse Larix - não sabem fazer outra coisa, foram criados para agirem por instinto, e foram encontrados pelo mal que se tornou seu senhor, não sabem o que estão fazendo, pelo contrário, perdoe e liberte, como disse Salix. E então? Como foi sua Oitava lição?
            - Que Oitava lição?
            - Centaurium, tomou consciência de tudo o que fez? Você perdoou? Reconheceu que prejudicou muita gente de uma forma ou de outra? Se propôs a reparar o que fez de errado?
            - Mas é claro, apesar de ser muito difícil perdoar esses seres, eu compreendo que não têm culpa, cada um escolhe seu caminho, e quando isso acontece, tem o dever de acolher as conseqüências desta escolha, positivas ou negativas. Mas como reparar estes erros preso aqui?
            - Muita calma meu amigo, em primeiro lugar deve acreditar em sua capacidade e continuar orando por todos, as situações de reparação vão surgir em seu caminho no momento certo. Tem que perseverar e continuar lutando sempre, apesar de ter errado algumas vezes você lutou e prosseguiu tentando novamente, agora é o momento de retomar seu ritmo e constância, levante-se e persevere que garanto que poderá voar e vencer.
            - Isso mesmo! - falava Mimulus que despertara. - Deve vencer seus medos, sei que muitos o afligem, o de não conseguir, de perder Azuen, de não escapar e principalmente o de voltar a agir como antes, você deve vencê-los , aceite o anjo da coragem em sua vida e lembre-se que medo é falta de fé, e fé é algo que você tem e muito, vencer seu próprio medo será sua maior vitória. Trabalhe sua insegurança. Sua Oitava lição não é fácil, ele exige que você tome consciência de tudo o que fez, a Nona será praticada aos poucos, terão situações que você não poderá reparar, estas deverá entregar a seu poder superior, outras, para não se prejudicar mais e aos outros também terão que ser deixadas de lado, lembre-se que a maior reparação que deverá ser feita é permanecer limpo e melhorar a cada dia que passa. Agora, sua Décima lição está lá fora e virá buscá-lo para te levar até sua Décima Primeira.

            “Vitis e seus companheiros descobriram que o dragão fora feito prisioneiro pelo Senhor das Trevas, ele demonstrava seu poder assim. Procurara dominar sua vontade e não conseguira, então o acorrentara na frente do castelo como troféu de seu supremo poder.
            “Procuraram o chefe do acampamento dizendo saber como controlar o dragão, o que o mercenário gostou de saber, porque poderia ganhar um prêmio extra do mestre, quem sabe um reino só para ele onde se proclamaria rei, ou até quem sabe se tornaria mais poderoso que o próprio mestre, afinal era ele quem comandava os exércitos e com o poder do dragão em suas mãos seria invencível. Perguntou como fariam isso e porque deveria confiar em Vitis e seus companheiros.
            - Somos guerreiros e não nos prendemos a nada, não saberíamos o que fazer com um reino, gostamos de liberdade, de viajar, guerrear e conquistar em combate corpo a corpo, nunca fomos vencidos antes. Um reino somente nos atrapalharia, viemos até aqui por  este motivo, e por  moedas e saque também.
            “Foi então concedida a permissão para que se aproximassem do dragão, o que prontamente fizeram. Entre eles estava o ferreiro da aldeia que saberia como soltar as correntes. Ultrapassaram os portões da paliçada e caminharam em direção ao monstro, se tudo corresse como esperavam sairiam voando nas costas do dragão, os cavalos estavam soltos e no momento em que se fossem voltariam para o lado de Magia que os aguardava. O dragão voltou a cabeça para os guerreiros e seus olhos brilharam, sabia quem eram, na profecia seria libertado por onze cavaleiros da luz para em seguida resgatar o prometido, prisioneiro do castelo.
            - Vocês demoraram. - disse-lhes - Vamos, soltem-me e vamos arrasar aquele castelo, as correntes detém meu poder de fogo e capacidade de voar pois enfraquecem minhas asas.
            - Não é assim - tornou Vitis - vamos soltá-lo aos poucos, uma perna de cada vez, pois suas forças não voltarão assim que se quebrarem as correntes, ficaremos de guarda para que eles não se aproximem, de quanto tempo precisa?
            - Um dia - respondeu - apenas um dia será suficiente para destruir as paredes onde está o prometido e voar com vocês daqui.
            - Muito bem então amigos, vamos ver o que podemos fazer.
            “O ferreiro se aproximou das correntes com receio pois nunca chegara tão perto de um dragão antes. - Não será difícil abrir os cadeados, o problema é que foram fechados por magia também.
            - Use sua adaga - retrucou o gigante - é mágica pois veio do Castelo de Cristal.
            “Usando sua adaga constatou que o dragão estava certo, primeiro abriu os quatro cadeados, coisa que somente ele poderia fazer. Aos outros caberia ir soltando as pesadas correntes. Nisso alguns mercenários juntamente com seu chefe se aproximaram e ele bradou:
            - Então, vai funcionar? - não teve tempo de dizer mais nada pois o dragão levantou a cabeça e soltou um urro que estremeceu até as muralhas em volta do castelo, voltou-se em seguida para os mercenários, todos os companheiros mantinham-se ao redor do dragão em suas posições. O mercenários tremiam incapazes de se mover do lugar. Vitis se dirigiu a ele em tom firme e bravo:
            - O que pensa que está fazendo? Está por acaso louco? Estamos procurando servi-lo e estraga tudo, teremos que começar tudo de novo até chegarmos ao ponto em que estávamos, perdemos um dia inteiro pois agora o tirou do transe e o deixou nervoso. Volte para a aldeia e acalme seus homens, devem estar tremendo mais que você, ouça os gritos, é o medo de suas mulheres, crianças e cavalos, vá e não se aproxime mais, vamos procurar consertar o que fez.
            “O mercenário se afastou com raiva, raiva se si por ter demonstrado medo, raiva de seus homens por terem percebido, raiva da forma que aquele guerreiro calmo, mas de voz forte e firme falara com ele, parecia até um nobre...será? Não, não ousariam tanto, vir aqui e se infiltrar no meio do inimigo. Tanta coisa passou por sua cabeça que quase não percebeu o alvoroço na aldeia, alguns partiram, não vieram para lutar com monstros, outros ainda tremiam pensando que o monstro estava solto.
            “Covardes” - pensou consigo - “Não valem as armas que levam consigo, mas eles não perdem por esperar, acabarei com todos, principalmente com aquele guerreiro arrogante.
            - Que tal me sai? - perguntou o dragão a Vitis. - Creio que tão cedo ele não se aproximará daqui.
            - Há, há, há. - gargalhou Vitis - Deve estar trocando as calças molhadas, mas vamos continuar, temos que ir com mais calma agora ou desconfiarão, metade de vocês se coloquem ao redor do...ei, como devemos chamá-lo? Você deve ter um nome não tem?
            - Sim, sou Scleranthus Annuus, o equilíbrio entre a mente e o coração, a ponte entre os dois, sou o príncipe dos dragões e o mais velho entre eles.
            - Bonito nome, mas agora como ia dizendo coloquem-se ao redor dele, um em cada pata e um na cabeça, os outros comecem a soltar as patas que estão voltadas para o castelo pois tenho certeza de que aquele cara nos vigiará da aldeia, quando tiverem terminado, os outros, metade em cada pata soltam as que estão do lado da aldeia e partimos para o castelo, comecemos então e vamos acabar com isso de uma vez.
            “Começaram a trabalhar arduamente e Scleranthus manteve silêncio, seu olhar permanecia fixo no castelo, na janela onde eu estava. Procurava comunicar-se comigo mentalmente, estavam passadas as Oitava e Nona lições, e a minha força aumentara agora.
*inserir gravura da descrição a seguir na página ao lado
            “Por minha vez, eu estava na janela da masmorra, o que estaria acontecendo lá fora? Ouvira um rugido estarrecedor e vira um debate, o castelo tremera e pedras chegaram a se mover com a vibração, sentia seu olhar fixo em mim, parecia me dizer algo, como “fique pronto”. Estavam distantes mas para mim pareceu ser Vitis o guerreiro que debatia com o outro homem, mas procurei não pensar nisso.
            “As horas foram passando e o trabalho não cessava, os homens então voltaram-se para Vitis e disseram:
            - Chegou a hora, vamos todos para o outro lado, Scleranthus, solte outro rugido daqueles para espantar os olhares que nos observam. -prontamente ele soltou um grito aterrador, era tão forte quanto o anterior, e quem os vigiava correu para a aldeia, mais homens debandaram e fugiram, afinal não vieram para combater aquela coisa, sua couraça era impenetrável, apenas balançando sua cauda poderia dizimar a todos se quisesse, caso escapasse, o que seria da aldeia e de todos que nela estavam?
            “Enquanto isso os guerreiros soltaram as outras duas correntes, quando isso foi feito um dia havia se passado desde que os cadeados começaram a ser abertos e as forças de Scleranthus estavam quase em sua plenitude, precisaria alguns dias ainda, mas já era o suficiente para tirá-los dali e levá-los para longe.
            - Agora - gritou Vitis - todos juntos - e as correntes caíram, no mesmo instante Scleranthus se voltou para a aldeia e soltou um hálito quente de fogo em direção a ela, foi um holocausto, a confusão reinou e ninguém sabia para onde correr, o fogo foi dirigido por cima das cabeças e ninguém foi ferido, apenas uns pelos outros na desabalada carreira, atingiu as árvores secas e retorcidas, os telhados que eram de palha e queimaram rapidamente, os cavalos pisoteavam quem se punha à sua frente, a confusão era geral.
            - Subam em minhas costas guerreiros da luz, vamos libertar o prometido. Todos subiram e Scleranthus alçou vôo se dirigindo para o castelo.
            “Eu me afastei da janela e colei junto à porta com meus amigos, nesse momento a pesada cauda de Scleranthus bateu contra as paredes do castelo que ruíram.
            - Vamos! - gritei eu para meus amigos - Partamos daqui.
            - Não - respondeu Larix - você deve partir sozinho, estaremos bem e sairemos daqui a nossa maneira, fique tranqüilo e faça cumprir a profecia, vocês devem sair dessa forma para que se cumpra como está escrito. Adeus Centaurium.
            - Adeus amigos - me despedi pulando para as costas de Scleranthus. Naquele momento vi no céu vários globos de luz como o de Hottonia mas vazios descendo sobre o castelo e penetrarem em suas celas, flutuando em seguida e levando em seu interior os outros prisioneiros para longe dali. Scleranthus se voltou e dirigiu seu fogo ao castelo deixando-o em chamas, eu imaginei que não atingiria o Senhor das Trevas, ardiloso como era deveria estar longe da superfície, escondido nos túneis que deveriam existir sob o castelo com sua guarda pessoal. Ainda não tinha acabado, terminaria apenas com o tesouro encontrado e ele destruído.
            “Scleranthus então se voltou no ar e voou em direção ao reino da luz, sobrevoou a aldeia e fomos observando em silêncio a desolação, nos entristecemos pois devagar as trevas devoravam nosso mundo. Pousou no alto de uma montanha onde confraternizamos. Magia, Cabelos de fogo e os outros cavalos chegaram em seguida.
            “Quem estava na aldeia viu apenas o dragão com homens em suas costas cercados de luz no ar, ao mesmo tempo em que globos iluminados desciam no castelo, saindo mais iluminados ainda com prisioneiros em seu interior. Assustaram-se pois não sabiam se era apenas um resgate ou um ataque também, armaram-se como puderam em meio à confusão enquanto outros apagavam as chamas que dominavam a aldeia. Sobraram poucos mercenários, nenhuma moeda valia o suficiente para enfrentar o que viram. Os “homens-fera” procuravam manter a população sob controle mas não conseguiram, então sua ferocidade os dominou e começaram a abater os que procuravam fugir, permanecendo fiéis a seu senhor. Mas a fronteira era extensa, aquela era apenas uma das fortificações do mal, além do que muitos estavam invadindo nosso mundo.
            “Conversamos, nos abraçamos e não percebemos a aproximação de dois dos globos, Scleranthus disse: - Atenção todos, mensageiros se aproximando. - Nos voltamos e os vimos pousarem, um deles continha minhas armas e o outro Larix e Mimulus que se puseram a falar:
            - É hora de se separarem, Você Centaurium juntamente com Vitis irão com Scleranthus, os outros montem e voltem, levem as montarias de seus amigos pois eles não precisarão delas para onde vão, voltem e juntem-se aos outros guerreiros, vocês se reconhecerão pela luz de suas armas, depois de montarem um pequeno exército somem ao do rei que caso o tesouro demore a ser encontrado vai precisar de auxílio para defender Zanaria. Enquanto isso Centaurium, Scleranthus irá lhe passar a Décima lição levando-o em seguida a Astralis, a Cidade das Nuvens onde receberá a Décima Primeira, daí por diante será com você, e ficará surpreso quando encontrar o tesouro. Mas não devem perder tempo agora, depois irá sobrar para festejarem e você resolver seu assunto com Azuen.
            “Não perguntei nada, recolhi minhas armas e junto a Vitis montei em Scleranthus, ele abriu suas gigantescas asas e subimos ao céu, disse estar com fome, aquele animais lhe davam apenas ovelhas magras dia sim dia não, com medo que ficasse forte demais. Concordamos pois também estávamos famintos. Sem dizer mais nada fez um vôo rasante em uma manada de búfalos gordos e com as garras pegou logo cinco deles de uma vez, pousou ao lado de um rio, pediu licença e começou a comer, deixando-nos um quarto de um deles. Começamos a acender uma fogueira ao que ele riu e disse para nos afastarmos, soltou então uma fina língua de fogo que prontamente fez o que levaríamos tempo para fazer em poucos segundos. Terminou sua refeição e foi buscar mais.
            - Centaurium, tem que me contar como tudo aconteceu, Azuen não pôde dizer muito assustada como estava, encontramos o que sobrou dos que o atacaram, é, você e seu cavalo fizeram um estrago e tanto.
            - Dei-lhe o nome de Magia, sabia que ele muda de cor? E que força ele tem, corre como o vento, e estas armas, que resistência. Mas diga, como estão todos? E Azuen?
            - Vá com calma, uma coisa de cada vez, os cavalos e as armas são mágicos, um presente de Theluris. Os sobreviventes da aldeia estão bem e alguns são os que vieram comigo, dois deles são mulheres, despertaram para a guerra através do sofrimento. Azuen agora está sendo trabalhada, não da mesma forma como você, o que ela tem dentro de si para superar é diferente e sua missão outra. Agora vamos comer enquanto conversamos, a jornada foi longa e cansativa, depois descansaremos.
            “Acabamos adormecendo e Scleranthus foi se banhar no rio, parecia um filhote, voava, mergulhava e tornava a voar novamente, como a liberdade é boa e faz bem ao espírito. Acordamos com ele jogando água em nós com a cauda e dando risadas.
            - Acordem humanos, é dormindo que pretendem salvar o mundo? Temos que trabalhar. Como está Centaurium, te quebraram muito?
            - Um pouco - respondi eu - mas você tem razão, temos que trabalhar e rápido, as trevas estão avançando e engolindo nosso mundo.
            - Centaurium - tornou o dragão - Sua Décima lição é a soma de todas as outras, ela parece ser simples mas não é, pois deve manter sua postura com dignidade, ao se recolher a noite deve reavaliar seu dia e ver onde falhou, admitir prontamente seu erro perante o outro e estabelecer para o dia seguinte objetivos que superem suas falhas anteriores assim progressivamente. Esta lição é a sua lapidação, aos poucos irá se libertando dos padrões do passado, se tornando um homem cada vez melhor. Desta forma dará continuidade também ao que Ilex, Salix, Mimulus e Larix te ensinaram, amar e perdoar, não guardando ressentimentos para o dia seguinte, seja justo com todos, você deve ser inteiro, demonstre sua opinião, mantenha a verdade que conheceu pois ela o libertará, sua vontade se fortalece a cada dia, não parece nem de longe com aquele rapaz franzino, confuso e inseguro, que arrumava confusão por não saber se expressar. Aprender a falar na hora certa é uma virtude, se definir e decidir para onde vai e de que forma, equilibrar seu interior na recepção de coisas novas, e colocar ação em direção ao que deve fazer. Deve se conduzir pelo caminho do coração sem deixar de consultar a sua razão, mantenha um equilíbrio entre os dois caminhos. A verdade interior vai conduzi-lo a luz, é difícil pois o alicerce é o amor verdadeiro, aquele do qual Ilex falara, mantenha o seu propósito, alguma pergunta?
            - Sim, como vou saber se estou fazendo as minhas vontades ou as do Universo?
            - Com o tempo as vontades “Dele” se tornarão as suas, mas esta informação é parte de sua Décima primeira lição, por falar nisso, subam, é hora de partir para a Cidade das Nuvens.
            “Foram praticamente dois dias até lá, não podia acreditar no que meus olhos contemplaram, uma cidade flutuante entre as nuvens, homens voadores armados de lanças e arco e flechas voando ao nosso redor e vários navios como o de Clematis atracados ao que parecia ser um cais aéreo. Scleranthus pousou lá, descemos e aguardamos a chegada de um barco menor para nos levar até a cidade.
            - Diga- me Scleranthus, vamos nos ver novamente? - perguntei.
            - Claro meu amigo Centaurium, ainda viveremos outras aventuras futuramente, agora devo partir, adeus meus amigos e obrigado pela liberdade, é tão bom senti-la. - e se jogou de onde estava abrindo suas asas esverdeadas planando para longe, enquanto isso chegava o barco esperado que deslizou pelo céu até a cidadela de Clematis

Scleranthus Annus - Scleranthus - craveiro


terça-feira, 21 de junho de 2011

Os terríveis Homens-fera


08 - PRISIONEIRO DOS HOMENS FERA

            “Eu me aproximei do acampamento inimigo, parei, desmontei e me dirigi a magia:
            - Magia, é melhor que permaneça aqui ou seu brilho ao luar poderá nos trair está bem?
            “Ele levantou a cabeça aos céus e seu pelo começou a escurecer até adquirir uma tonalidade cinza escuro.
            - É, parece que eu escolhi o nome correto para você meu amigo. Vamos devagar, vou precisar de você para tirá-la daqui rápido como o vento. Não será difícil pois eles estão a pé e pelos rastros carregando peso , provavelmente armaduras de guerra.
            “Aproximamo-nos e pedi a ele que esperasse, fui me arrastando até lá e pude divisar os vultos, eram grandes e fortes, mas estranho, pareciam usar roupas de pele sobre seus corpos. Amarrada pude ver onde estava ela, sim estava viva e as crianças também, um pouco machucada mas viva. Procurei me aproximar dando a volta no acampamento com o máximo silêncio. Orei ao pai para que não se assustassem e comecei a cortar as cordas. Uma a uma começaram a se arrastar por entre as árvores, enquanto isso eles pareciam discutir em uma língua que eu nunca ouvira antes, mais próximo de grunhidos do que de fala. Elas me seguiam em silêncio até onde deixei Magia, quando estávamos próximos um urro foi dado, era o alarme, descobriram a fuga e desabaram a correr em nossa direção, levantamos e corremos também, vi que Magia corria entre as árvores em nossa direção ao ouvir o urro, eles estavam próximos, gritei para que corressem e montassem enquanto eu os distraia, sabia que não podia vencer a todos mas acreditava que daria tempo.
            “Saquei da espada e do punhal os aguardando. Magia passou reto por elas e veio em minha direção saltando sobre eles, parecia soltar fogo pelas narinas, lutamos como pudemos mas eles eram muitos para nós, eu havia contado uns treze no acampamento, mas pareciam ser mais e o pior, não eram homens , apenas pareciam ser, eram algum tipo de gorila mas se comportavam, se vestiam e armavam como homens, de que inferno haviam saído aqueles seres? Não é a toa que elas estavam aterrorizadas. Pensei comigo que não teríamos chance. Gritei para Magia:
            - Leve-as, galope como o vento e traga Vitis, eles não me matarão, querem o prometido e ainda não sabem quem é, corra agora.
            “Ele se foi, elas montavam em suas costas e desapareceram, a última coisa que vi foi Magia se tornando branco novamente e se transformando em poeira, uma clava me atingiu e desmaiei.

            “Magia corria com o vento, um galope tão macio e cuidadoso que parecia ter asas nas patas, elas se agarravam em sua crina e umas nas outras, ele parou apenas duas vezes para que tomassem água e descansassem um pouco, em seguida relinchava mostrando que deveriam prosseguir. Elas estavam fracas e cansadas, mas Azuen ouvira Centaurium gritar para buscar Vitis, não o conhecia mas deveria ter um exército para resgatá-lo.
            “Que ironia - pensou ela - “Tão próxima dele e não poder tocá-lo, dizer o quanto sentira sua falta...”
            “Montaram novamente e a desabalada carreira recomeçou, o percurso de três dias foi feito em menos de dois, pararam uma Terceira vez ao lado de sua choupana , elas desceram e olharam a casa onde haviam passado a vida, estava arrasada, procuraram algo que servisse e se foram novamente. Magia atravessou a aldeia a galope e entrou na mata novamente aumentando a velocidade, elas fecharam os olhos por causa dos galhos e folhas. Magia sabia o que estava fazendo. Conhecia o lugar para onde se dirigiu sua manada, já estivera lá antes com os Centauros, conhecia a missão de Centaurium e sabia que deveria acompanhá-lo onde fosse. Quando chegou o momento fez uma curva rápida e entrou no espaço sagrado. Elas quase caíram de suas costas mas se mantiveram firmes. Só então ele diminuiu o passo parou na lagoa soltando um estrondoso relincho ao que todos se voltaram, os da aldeia correram tendo Vitis à frente, os cavalos todos se aproximaram e a égua negra de Vitis se enlaçou no pescoço de Magia, sim, era a fêmea dele.
            “Quando Vitis chegou, dirigiu-se rapidamente a Azuen e lhe perguntou o que houvera, onde estava Centaurium...
            - Deve ter sido feito prisioneiro daqueles seres horríveis, não são humanos, parecem macacos enormes e se comunicam por grunhidos, usam uma armadura negra com um brasão escarlate que nunca vi antes, parece uma garra vermelho vivo, são o próprio mal. Ele está correndo perigo, mandou que buscássemos Vitis, quem é? Você o conhece?
            - Sou eu, vou partir imediatamente se me for permitido, agora vamos, está abatida, tem que se alimentar e descansar. - pediu às mulheres mais próximas que cuidassem dela e das crianças. Em seguida dirigiu-se para a floresta e implorou aos céus, que seu caminho fosse iluminado novamente para que pudesse ir ao encontro de seu amigo e ajudá-lo. Ao abrir os olhos viu como que por encanto a mata se abrir e iluminar, a permissão fora dada e não havia tempo a perder.
            “Correu para a lagoa, chamou o cavalo de Centaurium e também Cabelos de fogo, sua égua, pediu que se preparassem pois iriam partir em breve, em seguida foi para a clareira onde estavam acomodados juntar provisões. Olhou para Bromus e agradeceu a permissão dada, ao que recebeu um sorriso em troca. Alguns dos homens poderiam acompanhá-lo mas deixaria a escolha para eles, não sabia direito o que iriam encontrar. Pelo que entendera, as forças do mal enviaram seus guardas para seqüestrar todos os escolhidos que encontrassem. Azuen não era uma delas pensava ele, devem ter se encantado com sua beleza, mas isso acarretou na prisão do escolhido, enquanto não soubessem quem era, estaria em segurança.
            “Alguns se ofereceram para acompanhá-lo, o que aceitou prontamente. Avisou que a jornada seria longa e cansativa para todos, estavam a vários dias de distância, se bem que a pé, mesmo assim, não deveriam confiar muito pois as trevas poderiam surpreender, existia muita magia envolvida, mas magia negra, as forças da luz eram fortes, porém entrariam no reino das sombras agora, Azuen disse que a direção que seguiram era a dos Pântanos nebulosos de Thorian. Não deveriam pensar muito no que iriam fazer agora, para não gerar ansiedades desnecessárias, e para a energia do pensamento não ser pressentida. Seguiram para a lagoa e Vitis se voltou a eles, eram dez, dois deles mulheres, porém tão habilidosas quanto os homens, senão mais. Como fizera bem a todos, apesar do sofrimento necessário, o ataque e a reclusão, habilidades latentes despertaram, descobriram a coragem adormecida, pena que a duras perdas. Deu um assobio e tanto Magia como Cabelos de fogo relincharam em uníssono, então dez dos cavalos escolheram seus mestres, por quem dariam a vida se necessário.
            “Um globo de luz começou a descer, mas sem Hottonia dentro e sim, selas, armas e armaduras da luz para todos, aterrizou e desapareceu aos poucos, os novos guerreiros ficaram fascinados. Vitis gritou:
            - Peguem o que encantar a cada um, há uma arma especial para cada, cujo manejo dominam, espadas, bestas, machados, adagas, bastões, enfim, tudo o que precisam, são armas que vieram do Castelo de cristal, são mágicas assim como nossos cavalos, aprontem-se e vamos partir.
*inserir gravura da descrição a seguir na página ao lado
            “Os cavalos foram encilhados, os víveres colocados em bolsas de couro foram presos nas selas e então partiram a galope atrás de Magia, pois conhecia o melhor caminho até o local fatídico. Quem os visse passar não acreditaria, onze cavaleiros que brilhavam como a luz do bem galopavam como o vento seguindo um grande garanhão branco, pareciam voar pelas estradas e matas, a noite só se via uma luz passando rapidamente e o ruído dos cascos suaves como se sobre colchões de ar.

            “Acordei com uma dor lancinante na cabeça que estava coberta de sangue, estava pendurado pelas mãos e pés amarrados a uma vara comprida e segura na frente e atrás pelo inimigo, minha visão estava turva pela pancada e sangue, mesmo assim pude vê-los. Da mesma forma que existiam seres lindos e fantásticos, também haviam os grotescos, pareciam macacos enormes e vestidos para a guerra, de onde viriam? Ou melhor, para onde me levavam? Coisa boa não era, procurei não demonstrar que estava consciente, não sabia do que seriam capazes. Pensamentos me invadiam, Magia teria conseguido levar minha amada até Vitis? Estariam bem? Como fazer para escapar antes que chegassem onde me levavam? Seria mais difícil lá, o número deles aumentaria. Em determinado momento pararam junto a uma nascente para descansar, a quanto tempo estaria desacordado? Lutamos a noite e o entardecer estava chegando, um dia? Dois? Minha boca estava seca e amarga. Fui jogado em um canto ao que soltei um gemido, nisso todos se voltaram para mim com seus arcos, machados e espadas em punho, eram seis, bom, eu e Magia fizemos um estrago neles; o que parecia ser o líder do bando gritou algo para os outros e na hora verificaram as cordas, foram mais apertadas. Gritei que estava com sede, apontei para a água com a cabeça e pareceram entender. A uma ordem, um deles se moveu a contragosto e foi buscar água que foi despejada em meu rosto, sorvi o que pude e me calei, tinha que recobrar as forças. Eles demonstraram estar assustados comigo, isso era bom e mau ao mesmo pois ao menor movimento que eu fizesse me matariam com certeza. Sentaram-se e começaram a conversar, a língua deles era de grunhidos e sinais, eu não compreendia uma palavra.
            - Ele acordou, o que vamos fazer?
            - Nada - respondeu o líder - vamos alimentá-lo o suficiente para que fique vivo, dar-lhe água e mante-lo como está, só que bem amarrado a uma árvore.
            - Eu não vou dar comida na boca dele - disse outro. Ao que o líder respondeu:
            - Não precisa, jogaremos os ossos no chão e ele que se agache como cão que é e coma se quiser.
            - Viram como lutava? Parecia um demônio, e aquele cavalo? Gostaria de pegá-lo, poderia conseguir muitas moedas com ele.
            - Sofremos muitas baixas, eles mataram oito dos nossos antes de tombar, e o cavalo fugiu levando as escravas que íamos vender na fronteira. Mas o mestre ficará satisfeito quando chegarmos, afinal nem precisamos procurar muito, um dos escolhidos veio até nós de presente e quem sabe não é o prometido? Ninguém sabe quem ele é, pode ser até esse aí, do jeito que luta. É...o mestre ficará contente, talvez ganhemos um prêmio extra por ele - disse o líder.
            - Chefe, o que vamos fazer agora? O cavalo se foi com a mulher, e se voltarem com mais guerreiros como ele? Seremos massacrados.
            - Passemos a noite aqui, ao amanhecer retomaremos a marcha e paramos apenas quando chegarmos à fronteira onde haverão mais dos nossos à espera. Por enquanto nos revezaremos na guarda do acampamento e principalmente daquele cão, não devemos subestimá-lo.
            “Não havia como escapar agora, pensava comigo, as cordas estavam bem apertadas e eles não se descuidavam, era melhor permanecer quieto até que estivessem mais confiantes e se descuidassem.
            “Jogaram restos do que comeram no chão, para que eu pegasse com a boca como um cachorro para humilhar-me, o que não fiz. Retomaram a marcha ao amanhecer, ela foi forçada, para mim foi doloroso, amarrado na posição em que estava. Chegaram à fronteira com a noite bem alta, eu estava mais machucado ainda, pois durante o trajeto não podia me desviar dos galhos e as costas batiam nas pedras, à noite piorou pois não pararam, e não conseguiam enxergar muito bem. A chegada do grupo foi um alvoroço, todos já estavam a espera pois os sentinelas avisaram. Era uma aldeia fortificada com torres de observação e muito bem armada. Existiam seres como os que me levaram e homens também que haviam passado para o lado das trevas, por cobiça e ambição, mulheres e também animais estranhos que nunca se aventuraram no mundo da luz.
            “Que lugar é esse meu pai, é assim que se parece o mundo escuro? Que coisa horrível, obscura, a noite é diferente, não se vê estrelas e a lua quase que não se percebe por trás desta névoa cinzenta. É isso o que querem fazer com nosso mundo? Não, não vou permitir, tenho que escapar e encontrar o tesouro, dizem que contem tanta luz que até as trevas mais negras ou o próprio senhor delas se estremece e se afasta, estaremos salvos então.
            “Pude observar um ser gigantesco por trás das sombras no limite da aldeia, era tão grande que se via parte de seu corpo e de suas asas por cima da paliçada, era o que eu mais temia, um Dragão de fogo, mas parecia ser um prisioneiro também, estava acorrentado, além dele havia um castelo de onde vinha todo mal existente, era Thengul, a morada de Strath, o senhor das trevas. Fui arrastado novamente e levado em direção a ele, a ponte foi abaixada e os portões abertos. O cheiro era insuportável, seres grotescos semelhantes a lagartos, armados com lanças montavam guarda e mulheres escravizadas de meu mundo estavam por toda a parte, com os rostos tristes de quem não imagina seu destino. Uma pesada porta de ferro se abriu e me levaram corredor adentro. Atravessamos galerias e descemos escadarias, o mau cheiro se tornava pior a cada passo, por fim, várias portas depois, chegamos a uma cela grande onde muitos estavam sendo torturados, nada a ponto de matar, apenas causar dor, muita dor. Imaginei serem todos escolhidos também...mas só havia um prometido entre todos e este ninguém sabia quem era, dos humanos, apenas o rei e alguns guias sabiam, eu mesmo fui o último a saber.
            “Fui jogado no calabouço e esquecido lá, podia ouvir os gritos pedindo por clemência e as risadas dos algozes, se eu dissesse que era o prometido, talvez amenizasse o sofrimento deles, mas ao mesmo tempo seria a sentença de morte de todos, então achei melhor permanecer quieto. O que não poderia acontecer era me encontrar com o Senhor das Trevas, pois apenas ele naquele lugar poderia ver a luz que estava comigo, e Vitis também não podia se aproximar, não teria chance contra aqueles seres e os mercenários que os acompanhavam. Tinha que conseguir enviar uma mensagem, mas como? Ao menos me desamarraram, esperei meus olhos se habituarem à escuridão, não estava sozinho ali, haviam mais homens comigo. De uma pequena janela podia-se divisar o monstruoso ser do lado de fora.
            “Meus novos companheiros me receberam bem, apenas um não se moveu, me ajeitaram em um canto e explicaram onde estava.
            - Não podemos dizer que seja bem vindo a este lugar, mas é um de nós agora e será tratado como tal, deixe me apresentar, meu nome é Ilex, este é Mimulus e aquele é Larix, o outro do canto não sabemos, não disse uma palavra desde que chegou aqui, apenas sentimos que nosso destino está interligado ao do prometido e ao tesouro da libertação, creio que agora tudo será esclarecido. Diga-nos, você é o prometido? Nós três tivemos o mesmo sonho um tempo atrás: Que encontraríamos o prometido em uma prisão, no princípio pensamos que era aquele, mas seria o quinto a chegar, nossa esperança quase se esvaia já antes que chegasse.
            “Quando fui abrir a boca para responder, o homem que estava mudo aquele tempo todo me chamou pelo nome:
            - Centaurium, você chegou. Graças aos anciãos, passou por sete lições, agora vai passar por mais cinco para poder libertar o povo. Ilex, meu amigo, não se lembra? - perguntou descendo o capuz - Sou eu, Salix, já nos encontramos outras vezes, me desculpem todos vocês, mas não podia me identificar antes da hora - dizendo isso ergueu os braços e um globo se formou entre suas mãos, neste momento Ilex, Larix e Mimulus tomaram consciência de quem eram e qual a sua missão ali, a Oitava e Nona lições, e um dos escolhidos estava à sua frente. Não disseram nada, apenas foram para seus cantos em silêncio e ficaram assim, como que rememorando tudo o que deveriam fazer.
            - Salix - gritei eu - que surpresa encontrar você aqui, mas, como conseguiram te capturar, você é um dos guias e não poderiam prendê-lo, a menos que quisesse e o permitisse. E agora? Como vamos sair daqui?
            - Não se preocupe com isso antes do devido tempo, na hora certa tudo se resolverá, veja aquele dragão, já havia visto um antes? Ele se chama Scleranthus e é a sua Décima lição, inclusive outra surpresa, mas isso mais para frente, agora está nesta cela junto de suas Oitava e Nona lições, aprenda, creio que no grau em que se encontra agora será rápido, depois pensaremos em sair daqui, descanse um pouco pois o amanhecer está próximo e virão nos alimentar, não querem ninguém morto até encontrarem o prometido, nos trazem uma refeição por dia, é horrível, mas nos mantém vivos. Não converse muito durante o dia, apenas reflita o que passarmos a você. No momento certo terá seu encontro com Scleranthus.
            - Mas ainda não me respondeu, como veio parar aqui? - perguntei.
            - Me vesti como um guerreiro, fui para um local próximo da aldeia e me deixei capturar. Agora vamos, descanse um pouco, fui trazido da mesma forma que você, só que de mais perto, imagino como esteja.
            “Me deitei no canto que fora reservado a mim e tentei dormir, mas não consegui, não conseguia entender, que lições seriam estas para serem passadas dentro de uma prisão? Que lição um dragão poderia me passar? Senti calafrios ao lembrar seus olhos, estavam me fitando na hora que Salix o mostrou e disse quem era, profundos e brilhantes, de suas narinas saia fumaça e cada dente seu deveria ter o meu tamanho. Ele estava deitado, imaginava seu tamanho em pé. Aos poucos adormeci pensando em como estaria Azuen, se havia conseguido escapar.

            “No espaço sagrado, ela estava na lagoa se refrescando em Água da pedra, esta por sua vez lhe transmitia sensações pois não lhe era permitido falar, então, através das sensações que recebia, ela sentia como se estivesse tendo idéias que não tivera antes, mesmo assim, sua preocupação com Centaurium era enorme, não sabia se estava morto ou vivo, o que seria pior nas mãos daquelas feras. Sempre fora apegada aos filhos, e depois que o conhecera a ele também, sabia que não o deveria ter deixado partir naquele dia, por outro lado, se permanecesse estaria morto agora na choupana e ela nas mãos do inimigo. Ainda não entendera o que estava acontecendo, achava que eram apenas salteadores de terras distantes em busca de escravos, não sabia nada de guerras, exércitos e muito menos da história do escolhido que acreditava menos ainda. Não percebera que não estava mais sozinha, bem devagar duas mulheres entravam na água e se aproximavam dela.
            “Você o ama, não é Azuen? - indagou uma delas.
            “Imersa em seus devaneios Azuen assustou-se e voltou o olhar para a direção da voz. Viu uma mulher madura, bonita, tinha os cabelos vermelhos, a outra era bonita também e se vestia de azul.
            - Quem é você? Como conhece meu nome, é da aldeia? Não a vi na clareira? - estava cheia de perguntas pois percebeu que aquelas mulheres sabiam muito.
            - Calma, não se aflija, meu nome é Aesculus Carnea, se achou complicado pode me chamar de Carnea mesmo, é mais fácil. Minha amiga se chama Cichorium Intibus, Vamos com bastante calma para a margem que responderei suas perguntas e outras que ainda não fez.
            “Azuen assentiu e as acompanhou até a margem, sentaram-se uma próxima da outra e Carnea tomou a palavra:
            - Vamos pelo princípio, não somos da aldeia, somos apenas enviadas para ajudá-la, digamos, por amigos que querem que fique bem. Antes de mais nada, quero que entenda e aceite, Centaurium é um dos escolhidos de que falam as profecias antigas, responda-me: Você lê as escrituras? Elas falam que em uma determinada época as trevas empreenderiam uma guerra contra o mundo da luz, o seu mundo tal como o conhece. Neste tempo muitos seres, chamados de escolhidos, partiriam em busca de um tesouro sem saberem qual seria. Entre eles estará o prometido, aquele que encontrará o tesouro depois de passar por testes e duras provas de honestidade, rendição, renúncia, entrega e humildade, Este tesouro de luz tem o poder de afastar as trevas para o lugar de onde veio. Conforme vai chegando mais próximo do tesouro o prometido fica mais forte e poderoso, a luz começa a fazer parte dele.
            - Um momento - interrompeu Azuen - quando Centaurium e seu garanhão lutaram contra aquelas feras existia um halo de luz ao redor dos dois e eles pareciam maiores, o cavalo era cinza escuro e se tornou branco azulado quando começou a galopar para cá como se voasse, é a isso que se refere?
            - Sim.
            - Então Centaurium...
            - É o prometido, creio que ele ainda não sabe, mas a cada dia se torna mais forte e puro, seu poder aumenta com a luz, e em breve as trevas serão tragadas por ela e exiladas em seu mundo novamente, isso até o momento de voltarem e um novo prometido ser preparado.
            - Mas e os outros escolhidos, o que será deles?
            - Desempenharão diversos papéis, alguns se tornarão guias, curadores, conselheiros e assim por diante. Mas vamos falar de você, deve estar pronta para encontrar e aceitar Centaurium como realmente é depois de cumprir a profecia. Vamos trabalhar? Em primeiro lugar deve procurar o desapego, suas carências são muito grandes e seu amor deve se tornar mais incondicional do que já é, sem expectativas irreais. Como se sentiu ao banhar-se nestas águas?
            - Bem, foi estranho, é como se o vazio que estava em mim estivesse sendo preenchido
            - Pois é, fomos enviadas para que possa entender o que o outro representa para você, você tem como hábito a virtude de cuidar do outro, mas isso de uma forma desequilibrada gera uma preocupação negativa e ansiedade, não por maldade ou egoísmo, mas é a sua forma de amar, sua preocupação é tanta que agindo assim acredita manter seus filhos, amigos e no caso Centaurium fora de perigo enquanto estiverem sob seus cuidados. Esta sua carência se deve ao modo como foi criada. Foi afastada cedo do convívio familiar por ter que começar a trabalhar cedo, seus pais se foram deixando-a só. Conheceu seu marido e teve seus filhos, mas seu marido também foi tirado de você deixando-a só novamente, mas tinham as crianças, se apegou a elas para se sentir amada, teve que trabalhar dobrado, foi quando começou a dançar, já dançava antes, mas para seu marido que se foi, agora era para viver e cuidar das crianças. Foi quando surgiu Centaurium em sua vida, um homem criança que parecia desprotegido, carente e com um olhar meigo, de quem precisava de carinho e proteção, além de poder mostrar o poder e qualidades que tinha dentro de si. Transferiu para ele todas as suas carências que ainda não estavam preenchidas, e passou a cuidar dele, não deixando que se metesse em encrencas. Mas ele tinha uma missão para cumprir e o chamado foi mais forte, ele partiu e você entrou em desespero, quase como está agora, mas não tão grande, antes ele havia partido, agora ele foi capturado por monstros.
            - Existe uma castanheira de frutos doces na floresta, relaxe um pouco à sua sombra todos os dias, te ajudará a superar esta fase, banhe-se nestas águas, te fará bem. Deve aprender a entender o outro e amá-lo como é, seus pensamentos devem ser limpos de preocupações em relação a outras pessoas para deixá-los livres pois o pensamento é energia, e atrai para nossas vidas o que mais queremos e precisamos, do mesmo modo que atrai o que mais tememos. Perceba que não está assim com seus filhos, transferiu tudo para Centaurium. Agora é o momento de refletir, aprender e libertar, preencher o vazio que está dentro de você com compreensão. Não pergunte de mim aos outros, não me conhecem e não saberão responder, agora vou embora. Adeus, e não fique ansiosa, tudo se resolverá em breve.

Ilex Aquifolium - Holly - azevinho, malva rosa
Mimulus Guttatus - Mimulus - mimosa
Larix Decidua - Larch - lariço
Aesculus Carnea - Red Chesnut - castanheira vermelha
Cichorium Intybus - Chicory - chicória



quarta-feira, 15 de junho de 2011


07 - DE VOLTA AO CAMINHO

            “O mundo que eu deixara ao ir para meu retiro não estava mais como o deixei, a aldeia pela qual passara se aproximava e nós podíamos divisar uma fina linha de fumaça por detrás das árvores, me preocupei com Azuen e as crianças, com sua segurança, pelo que Vitis me dissera exércitos, salteadores e mercenários circulavam pelo reino destruindo e saqueando o que encontravam, as mulheres eram usadas e mortas, os homens eram feitos escravos ou recrutados para combater, caso não concordassem eram mortos, as crianças “adotadas” para servirem e serem treinadas.
             “Imaginei também os seres que deveriam estar a solta, pois com o mal, apenas o mal acompanha, e se conheci seres estranhos porém bondosos, deveriam existir outros que ouvira apenas falar outrora na beira das fogueiras, só de pensar nos dragões sentia calafrios. Procurei não me preocupar com isso naquele momento. A cada dia bastam suas preocupações, e as do momento eram com a aldeia e Azuen. Ao ultrapassarmos as últimas árvores vimos o que não queríamos ver, a aldeia estava fumegante, as casas de taipa destruídas, a algumas pessoas que conseguiram se refugiar na floresta procuravam sobreviventes entre os corpos chacinados, o choro convulsivo predominava na maioria, crianças gritavam ao lado dos corpos de seus pais, o sangue dos mortos lavava o chão batido pelos cascos dos cavalos. Nada podíamos fazer pois tínhamos uma missão a cumprir e não poderíamos nos deter agora, do contrário isso não iria parar até que todo o reino estivesse sob o jugo das trevas que agora se espalhavam em todas as direções. O que poderíamos fazer seria orientá-los e organizá-los para que seguissem até um lugar seguro, e qual mais seguro do que o que viemos agora? Não podia ser visto de fora e ficariam bem até tudo terminar.
*inserir gravura da descrição a seguir na página ao lado
            - Vitis, vamos ajudá-los, podem ficar na clareira pois lá estarão protegidos, o que te parece?
            - Concordo, lá estarão bem, há água e caça e frutos em abundância, vamos guiá-los até lá?
Não, você vai - disse-lhe eu - organize-os e os leve com o que possa ser útil, panelas, mantas, armas, não que elas sejam necessárias lá, mas serão em um futuro não muito distante, eu sinto isso. Faça um levantamento do que sobrou aqui e leve-os de olhos vendados para não saberem sua real localização, não sabemos, se um dia forem submetidos a tortura algum deles pode tentar mostrar aos mercenários, ainda que a passagem não se abra, a localização daquele lugar de paz e sabedoria e eles ficarão na entrada para assaltarem os que entrarem ou saírem.
            “Ao que Vitis indagou:
            - Acredita que depois do que passaram aqui vão confiar em nós dois e se deixar levar com os olhos vendados? Não creio.
            - Bom meu amigo, sinto muito por eles caso seja assim pois então ficarão à mercê de sua própria sorte, não podemos fazer nada mais, e depois, se quiséssemos e fosse inimigos mataríamos a todos, veja como estão desnorteados, não sabem nem para que lado andar no que foi a aldeia um dia, estão todos em estado de choque. Vamos conversar com eles, depois eu vou procurar pela floresta, talvez encontre alguns cavalos perdidos que podemos utilizar, depois vou ao outro lado, quero ver se Azuen está bem.
            “Começamos a tentar reunir a população, deveríamos despertar um líder entre eles e convencê-los a nos ouvir. Restaram uns vinte, talvez um pouco mais sem contar as crianças. Nos reunimos todos no centro da aldeia e Vitis começou a falar:
            - Atenção por favor, quero que nos ouçam agora. vocês passaram por maus momentos, podemos ver isso, mas não podem continuar aqui, devem partir e levar consigo os velhos, as crianças e o que possam usar. As trevas estão em quase toda parte já, passaram por aqui na forma de soldados, outros virão e talvez não dê tempo de correrem, proponho que vocês nos sigam até um local seguro, próximo daqui, lá não poderão ser encontrados e terão tempo de curarem suas feridas, chorarem seus mortos e se prepararem para o futuro. Sou Vitis e este é Centaurium, ele é o escolhido das escrituras e está em busca do tesouro que salvará o reino e expulsará o mal. Terão que ir com os olhos vendados, não podemos correr o risco de levarem até lá pessoas não merecedoras pois é um espaço sagrado, não deverão sair também até tudo terminar para que não corram perigo
            - Como podemos confiar se não os conhecemos?/ Como saber que não vão nos entregar aos monstros que vieram antes? Que vocês não estão indo se juntar a eles como mercenários? - responderam os sobreviventes do caos.
            - Tolos -respondi eu - acaso nos parecemos um pouco com mercenários? Acreditam que não os teríamos passado a fio de espada se não o quiséssemos? Porque levaríamos um peso que apenas nos atrasaria a caminhada em troca de algumas moedas enquanto poderíamos ter mais nos juntando a eles? Somos guerreiros sim, mas guerreiros do bem - gritei ao retiramos nossas espadas ao mesmo tempo e as levantamos acima de nossas cabeças, elas resplandeceram ao sol com um brilho que mesmo eu nunca havia visto e a luz nos envolveu no mesmo instante. O povo se afastou assustado, nunca haviam visto coisa igual, apenas ouvido em lendas de um passado distante, quando guerreiros sábios e benevolentes guerreavam ao lado dos fracos e expulsando os opressores para terras negras e distantes, eram abençoados pelos anciãos e a luz era a sua marca.
            “Um velho se aproximou de nós e se voltou para todos dizendo:
            - Atenção, devemos confiar nestes homens, eu os reconheço pois trazem a marca de que as escrituras sagradas falavam, a luz, vamos segui-los como quiserem.
            “Todos ouviram, discutiram e acabaram cedendo, me despedi e entrei na floresta, deveriam existir cavalos perdidos por ali, não poderiam ter levado a todos, caminhei um pouco e ouvi barulho de água, caminhei em direção a ele e gostei do que vi, vários cavalos bebiam e pastavam ao redor. Me aproximei devagar para não assustá-los e fui beber um pouco, agi como se não estivessem ali, de repente um garanhão soltou um relincho forte e todos galoparam em sua direção. Ele era magnífico, branco, forte e tinha um porte nobre, gostei dele e o queria, mas sabia também que não poderia ser assim, deveria ser aceito por ele antes. Continuei na beira do riacho me refrescando e descansando enquanto aguardava, teria que vir em minha direção, o que fez em seguida, devagar e com desconfiança. Me deitei na relva e fechei os olhos. Seus passos se aproximaram, poderia me pisotear se quisesse, continuei firme e confiante sem demonstrar medo, ele estava ao meu lado e começou a me cheirar, nisso abri os olhos e olhei nos dele, ele se levantou nas patas traseiras e soltou um relincho longo, pensei que iria descer sobre mim naquele momento mas não, ele desceu suas poderosas patas ao meu lado e me empurrou com a cabeça. Me aceitara.
            “Levantei-me e passei as mãos por seu pescoço, ele demonstrou gostar do afago. Conversei sabendo que me compreenderia, disse-lhe que precisava de sua ajuda e que sabia de um lugar onde poderiam ficar seguros os que ficassem sem seu guia. Que um tesouro deveria ser encontrado e eu teria que me mover rápido como o vento, disse o quanto a luz precisava dele, falei de meus medos, de não conseguir estar a altura da missão, de meu aprendizado com os guias e de minhas lições, que teria que caminhar mais rápido em direção a elas para encontrar o tesouro quando estivesse pronto.
            “Depois disso esperei, ele balançou a cabeça e se dirigiu para o bando, pareciam conversar, em seguida vieram em minha direção, que bom, concordaram. Montei em suas costas e galopamos em direção à casa de Azuen, percebi que alguns dos cavalos estavam com arreios, deveriam ser os da aldeia que se juntaram aos selvagens. Ao chegarmos me apavorei, nada restava de sua choupana, procurei por seus corpos os quais não encontrei, isso queria dizer que conseguiram fugir ou foram feitos prisioneiros, bom, ao menos estavam vivos e poderia encontrá-los. Procurei rastros ao redor, nada, não existiam pistas, foram capturados, não a matariam com certeza pois sua dança era inigualável e as crianças estariam bem pois poderiam mantê-la sob controle usando-as.
            “Deixamos o local e partimos para a aldeia a galope, não havia mais ninguém por lá, bom, devem ter partido pensei eu, mas não, haviam se escondido pensando que os soldados haviam voltado. Estavam prontos, todos gritavam e aplaudiam pois o cavalo que montava era o garanhão chamado por eles de “Demônio Branco”, invadia as cocheiras durante a noite levando suas éguas embora, acabava com as plantações com seu bando e todos queriam pegá-lo finalmente alguém o conseguira, era hora de faze-lo pagar.
            - Parem - gritei eu - Será que não percebem em que situação estão? Ao contrário agradeçam pois poderão ir mais rápido até o retiro antes que outros venham. Vitis está tudo pronto?
            - Sim irmão, vamos todos agora.”
            - Não, vão vocês - respondi - vou seguir os rastros enquanto ainda estão frescos, tenho que encontrar Azuen antes que se cansem de sua dança, o que acho difícil, mesmo assim quero resgatá-la e às crianças. Leve-os, deixarei pistas indicando qual caminho segui, adeus.
            “Disparei com meu novo amigo em sentido contrário, voltei à choupana pois percebi que os rastros que saiam de lá não era do mesmo grupo que assolou a aldeia. Era um grupo pequeno e faziam poucos dias que haviam partido. Eles seguiam em direção ao leste e não haveria problemas em segui-los, os rastros que deixavam eram pesados e fáceis de seguir. Comecei a perseguição e segui na direção em que foram, não pretendia parar, teria que me alimentar com frutos e vegetais pois não poderia acender fogo ou correria o risco de ser localizado, parava apenas para confirmar a direção e prosseguia, o estrago que eles deixavam na mata era impossível de passar despercebido. Dois dias depois estava esgotado, meu amigo demonstrava que poderia prosseguir mais um pouco. Achei melhor pararmos, não adiantava nada chegarmos esgotados e mortos de cansaço para lutar. Pedi-lhe que encontrasse água ao que prontamente atendeu, subiu uma colina e localizou uma nascente, matamos a sede e ele foi pastar, a noite estava alta, poderíamos descansar algumas horas até o amanhecer, antes porem, subi até o alto da colina para ver se existia luz em algum lugar. Bravo, a um dia mais ou menos de passo existia a luz de uma fogueira, só poderiam ser eles. Me animei, se seguisse a trote para não forçar e com alguns galopes acreditava que em meio dia os alcançaria. Deitei-me na grama macia e adormeci.
            “Acordei com algo me cutucando, era ele, teria que lhe dar um nome mas qual? Ele era forte, nobre, altivo, rápido e me compreendia, seu pelo resplandecia ao sol, parecia refletir o azul do céu. Ei, porque não Magia?
            - Que tal amigo? Magia. - Ele relinchou e levantou-se nas patas traseiras, pareceu ter gostado. - Bom Magia, vamos comer alguma coisa, pegar água e partir, temos uma longa caminhada pela frente.

            “Vitis conduzia todos os sobreviventes até o espaço sagrado com pouca dificuldade, os cavalos, mesmo os selvagens colaboraram sendo dóceis. Para ele escolheu uma égua negra de crina avermelhada, tinha quase o porte do garanhão branco de Centaurium, foi ela quem assumiu o lugar de comando da manada e pareceu gostar de Vitis. Atravessaram a passagem e Vitis os conduziu até a lagoa, pediu-lhes que aguardassem ali até que voltasse, pois ia pedir autorização para que ali permanecessem , também pediu que não tocassem em nenhuma planta viva. Dirigiu-se então até a clareira de Bromus e se pôs a conversar com ele:
- Como está meu amigo? Vim incomodar você um pouco, posso?
- Meu caro Vitis, a que devo seu retorno? Não aconteceu nada a Centaurium espero.
- Não, ele está bem, galopa agora para libertar uma donzela capturada pelos soldados das trevas, devo ir a seu encontro em breve. Mas estou aqui para pedir-lhe que permita permanecerem aqui alguns dos sobreviventes da aldeia próxima pois estarão em segurança, fique tranqüilo pois eu os trouxe de olhos vendados, não conhecem o caminho nem para entrar e nem para sair.
- Vitis, Vitis. É claro que podem ficar, desde que não derrubem nenhuma árvore ou machuquem as plantas menores também, não deverão construir aldeia nenhuma pois sua permanência é provisória e tudo deverá ficar como está. Claro que podem mudar algumas coisas de lugar como pedras e troncos mortos. Muito cuidado com o fogo, não queremos este lugar de paz em chamas não é? E depois, eu não gostaria de ser queimado vivo. Sabe? Gostei disso, vocês, humanos são tão peculiares, eu os acho muito engraçados, ah, têm crianças também não tem? Me divirto muito com suas brincadeiras e a muito tempo não vejo uma, lembro em outros tempos de paz, elas correndo ao meu redor, balançando-se nos galhos das árvores. Sim, será muito bom, façam o acampamento aqui. Quero ouvir as histórias que contam a noite ao redor da fogueira. Mas tenho que lhe dizer algo que talvez o contrarie, eu sinto muito, mas não poderá partir agora, olhe ao seu redor e procure seu caminho, veja se o encontra e depois vá até a lagoa refletir um pouco, os anciãos têm uma mensagem do Castelo de Cristal para você, agora vá, primeiro converse com os aldeões, diga-lhes o que te passei, fique tranqüilo, não vou assustá-los, os únicos que podem ver ou ouvir certos guias são os escolhidos e as crianças, ou seja, os purificados e mesmo assim, as crianças apenas sentem, e os adultos não crêem nelas.
“Vitis rapidamente foi até a lagoa e chamou a todos, repetiu o que lhe foi dito por Bromus e os conduziu até a clareira, organizou a todos, aos velhos, mulheres e crianças coube juntar lenha, água e arrumar o que trouxeram da aldeia. Os mais fortes iriam caçar, mostrou como preparar armadilhas para caça e pesca, os deixou e seguiu para a lagoa, estava taciturno pois, desde que falara com Bromus olhara em todas as direções e seu caminho se apagara. Pelo que sabia não poderia sair de lá. Chegando ele se sentou, e triste aguardou, queria ir atrás de seu amigo e não ficar ali, imaginava as aventuras do companheiro e os perigos também. Aos poucos foi se aproximando dele o globo de luz onde se encontrava Hottonia Pallustris. Vitis não se moveu nem se surpreendeu, estava acostumado com as coisas daquele mundo, já vira e ouvira muita coisa.
- Meu filho, como está? - perguntou o ancião - Percebo que está insatisfeito; não, não diga nada, sei tudo o que se passa com todos os meus filhos. Não deve ficar assim, cada um deve cumprir o destino que lhe cabe e o seu assim como o de Centaurium é glorioso, claro, muitas dificuldades que lhes trarão amadurecimento estão no caminho dos dois. Agora é o momento de ficar aqui, para que a profecia se cumpra seu companheiro deve permanecer sozinho agora, e sua parte é ensinar o povo que trouxe aqui a sobreviver, lutar e reconstruir suas vidas. Ensine-os meu filho, e em breve seu caminho se iluminará outra vez mostrando que é hora de partir. Se precisar me chame, mas mesmo assim esta água é esclarecedora, procure banhar-se nela ao amanhecer, entardecer e quando a lua estiver alta nos céus, assim como o fez seu amigo, te fará bem.
“Vitis aceitou, sabia que não adiantava discutir, era decisão suprema, sua vida e sua vontade foram entregues a muito já e não pretendia voltar atrás. Banhou-se, sentiu as forças voltarem e a energia das águas revigorá-lo aos poucos, depois deitou-se na beira da lagoa e ficou observando os cavalos pastarem. Eram lindos e sabiam se cuidar, aos poucos foi cochilando até adormecer.
“Teve um sonho estranho, Centaurium lutava com seres grotescos que nunca vira antes e depois de muitos derrubar tombava, com os que sobraram pulando por cima dele, em outro lampejo uma mulher com algumas crianças galopavam no garanhão branco bastante assustadas. Acordou sobressaltado e olhou em volta, estava no mesmo lugar, próximo de si estavam apenas os cavalos que o olhavam intrigados, sua égua se aproximou e lhe fez um afago com a cabeça. Vitis se levantou e correspondeu. Voltando à clareira ficou satisfeito com o que viu. Tudo estava organizado, o fogo aceso e o cheiro estava bom, madeira seca estocada em um canto protegido do sereno.
            “Bom, já que tenho que ficar aqui vamos viver os minutos intensamente e um de cada vez”, pensou consigo e em seguida gritou a todos:
            - Então, lembraram de trazer o vinho? Estou louco por uma caneca bem cheia.
            “Ao dizer isso sentiu a terra tremer aos seus pés, algo lhe dizia que não deveria ter dito aquilo naquele local sagrado. Esquecera totalmente disso. Todos olhavam para ele surpresos pois não sentiram nada, nem o menor tremor, Vitis olhou para cima e Bromus o observava sério, estava bravo com a atitude de Vitis.
            - Tá bom, tá bom, não está mais aqui quem falou, vamos tomar um chá ou suco e comer, estou faminto.”
            “E assim os dias se passaram sem que percebessem, Vitis treinava a todos, aprenderam como se defender, se esconder, enfim, lhes passou tudo o que ensinara a seu parceiro, também os orientava em relação à lagoa, os banhos que deveriam tomar e como se comportar naquele local.